quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

De todos os poderes invisíveis

«A partir dos meus seis ou sete anos, comecei a perceber que, de todos os poderes invisíveis, era a música que mais fortemente me tocava e me regia. A partir de então passei a ter o meu mundo próprio, o meu abrigo e o meu céu, que ninguém me podia tirar ou denegrir e que eu não desejava partilhar. Era um músico, embora não soubesse tocar nenhum instrumento antes dos doze anos, e não pensasse vir a ganhar a vida a fazer música.
Nada de essencial de modificou desde então e por esse motivo quando olho para trás não me surge uma vida multicolor e multifacetada, pelo contrário, desde o princípio que tem uma tónica única e uma só estrela. Independentemente de as coisas correrem bem ou mal, a minha vida interior mantinha-se imutável. Por longos períodos podia andar por caminhos estranhos, podia não tocar em nenhum caderno de música ou instrumento, havia no entanto uma melodia no meu sangue e nos meus lábios, um compasso e um ritmo na respiração e na vida. Por mais que eu procurasse ansiosamente por outros caminhos uma solução, um esquecimento e uma libertação, e que ansiasse por Deus, pelo conhecimento e pela paz, acabei sempre por encontrar tudo isso apenas e só na música. (...) Oh, música! Lembras-te de uma melodia, canta-la sem voz, só intimamente, embebes o teu ser com ela, ela toma posse de todas as tuas forças e durante os momentos em que ela vive em ti desaparece tudo o que é ocasional, mau, rude, triste, deixa que o mundo esteja em harmonia, torna o que é pesado leve e o que é imóvel ganhe asas!»

Hermann Hesse em Gertrud (tradução de Maria Adélia Silva Melo, DIFEL)

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