sábado, 29 de janeiro de 2011

eu (nunca) vou ser grande

«Miquel Moliner era um rapaz triste. Padecia de uma doentia obsessão com a morte e todos os assuntos de âmbito fúnebre, matéria a cuja consideração dedicava uma boa parte do seu tempo e talento. A mãe tinha morrido três anos antes num estranho acidente doméstico que um qualquer médico insensato se atrevera a qualificar de suicídio. Fora Miquel que encontrara o cadáver reluzente sob as águas do poço do palacete de Verão que a família tinha em Argentona. Quando a içaram com cordas, verificou-se que os bolsos do casaco estavam cheios de pedras. Havia também uma carta escrita em alemão, a língua materna da mãe, mas o senhor Moliner, que nunca se tinha dado ao trabalho de aprender o idioma, queimara-a nessa mesma tarde sem permitir que ninguém a lesse. Miquel Moliner via a morte em todo o lado, nas folhas caídas, nos pássaros tombados dos ninhos, nos velhos e na chuva, que tudo levava. Tinha um talento especial para o desenho, e perdia-se amiúde durante horas em desenhos a carvão onde aparecia sempre uma dama entre brumas e praias desertas que Julián imaginava ser a mãe.
- Que queres tu ser quando fores grande, Miquel?
- Eu nunca vou ser grande - dizia egnimaticamente.»

Carlos Ruiz Zafón em A Sombra do Vento (tradução de J. Teixeira de Aguilar, Dom Quixote)

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