quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O melhor dos mundos possíveis

«Cândido perdeu os sentidos e Pangloss trouxe-lhe um pouco de água de uma fonte próxima.
No dia seguinte, tendo encontrado algumas provisões de boca entre ruínas, conseguiram reparar um pouco as forças. Ocuparam-se, em seguida, como os outros, em socorrer os habitantes que tinham escapado à morte. Alguns cidadãos, socorridos por eles, deram-lhes o melhor jantar que seria possível oferecer em tais circunstâncias. É certo que a refeição foi triste. Os convivas regavam o pão com lágrimas, mas Pangloss consolou-os, assegurando que o que tinha acontecido não podia ter deixado de acontecer.
- Pois - disse ele - tudo isto foi o que de melhor podia acontecer, porque, se há um vulcão em Lisboa, não pode existir noutro lado, visto ser impossível que as coisas não estejam bem onde estão. Tudo está certo.
Um homenzinho vestido de preto, familiar da Inquisição, que estava sentado ao lado dele, tomou polidamente a palavra e disse:
- Aparentemente, o senhor não acredita no pecado original, pois, se tudo corre pelo melhor, não houve queda nem punição.
- Peço humildemente desculpa a Vossa Excelência - respondeu Pangloss ainda mais polidamente -, mas a queda do homem e a maldição entravam necessariamente no melhor dos mundos possíveis.
- O senhor, então, não acredita na liberdade? - disse o familiar.
- Vossa Excelência perdoar-me-á - retorquiu Pangloss -; a liberdade pode subsistir com a necessidade absoluta, porque era necessário que fôssemos livres»

Voltaire em Cândido ou O Optimismo (tradução de Maria Gonçalves Tomás, Publicações Europa-América)

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