quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

o pesadelo

«Os sonhos repetiam-se como temas com variações ou como episódios de uma telenovela. Sonhava, por exemplo, muitas vezes, com gatos a saltarem-lhe para a cara e a cravarem-lhe as garras na pele. Na verdade, este sonho tem uma explicação óbvia: é que em calão checo, quando se quer falar de uma rapariga jeitosa, diz-se «gato». Tereza sentia-se ameaçada pelas mulheres, por todas as mulheres. Todas as mulheres eram amantes potenciais de Tomas e ela tinha medo delas.
Num outro ciclo de sonhos, era condenada à morte. Numa noite em que acordara a gritar de terror, contou-lhe o seguinte sonho: «Havia uma grande piscina coberta. Éramos mais ou menos vinte. Só mulheres. Estávamos todas completamente nuas e tínhamos de marchar a passo à volta da água. Havia uma cesta pendurada no tecto e estava um homem lá dentro. Tinha um chapéu de abas largas que lhe escondiam a cara, mas eu sabia que eras tu. Davas-nos ordens. Gritavas. Tínhamos de desfilar a cantar e a flectir os joelhos. Quando uma das mulheres não fazia bem a flexão, tu disparavas a pistola e ela caía morta na água. Nesse momento, as outras desatavam todas a rir e punham-se a cantar ainda mais alto. E tu, tu não tiravas os olhos de nós; se alguma fazia um movimento de través, abatia-la imediatamente. A água estava cheia de cadáveres a flutuar. E eu, eu sabia que já não tinha forças para fazer a flexão seguinte e tu me ias matar!»»

Milan Kundera, em A Insustentável Leveza do Ser (tradução de Joana Varela, Narrativa Actual)

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