domingo, 30 de janeiro de 2011

O ponto irrepetível e singular

«Para narrar a minha história, terei de recuar muitos anos. Se me fosse possível, deveria mesmo retroceder mais ainda, à primeira infância e, para além desta, até aos confins da minha procedência. 
(...) uma pessoa é não só ela própria como também o ponto irrepetível e singular, essencial e verdadeiramente relevante, no qual as manifestações do mundo se encontram de um modo único e irrenovável. É por esta razão que a história de cada um é importante, eterna, divina e que, enquanto viver e corresponder à vontade da natureza, é maravilhosa e digna de atenção. (...)
Não posso considerar-me sábio. Fui um indagador e continuo a sê-lo ainda, mas não busco já por entre as estrelas ou nos livros: principio a saber escutar os ensinamentos que o meu sangue murmura dentro de mim. A minha história não é agradável, nem doce e harmoniosa como as que são inventadas. De modo semelhante à de todo o ser humano que não admita continuar a enganar-se, ela deixa um travo a absurdo e desorientação, a loucura e sonho.
A vida do indivíduo é uma caminhada em direcção a si mesmo, a procura de um rumo, o esboçar de um trilho. Jamais alguém, em momento algum, conseguiu tornar-se coerente com o seu interior; contudo, todos aspiram a alcançar essa harmonia. Quer a procurem com menor habilidade, quer persigam esse ideal com perspicácia, cada qual realiza-o conforme pode, mas todas as pessoas arrastam consigo e até ao fim restos do seu nascimento, mucos e membranas de um mundo primevo. (...) seja qual for a pessoa, ela procurará elevar-se do abismo em direcção ao seu destino. Sabemos entender-nos mutuamente, mas somente cada qual tem capacidade para interpretar a sua própria vida.»

Hermann Hesse em Demian (tradução de Isabel de Almeida Sousa, Publicações Dom Quixote)

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