domingo, 16 de janeiro de 2011

Observemos a noite

«Observemos a noite. É quase perfeita, com a Estrela Polar visível na sua posição exacta, cinco vezes para a direita do enfiamento formado por Merak e Dubhé. A Estrela Polar vai continuar na mesma posição durante os próximos vinte mil anos e qualquer navegante que a contemplar sentir-se-á consolado ao vê-la no firmamento, porque é bom alguma coisa continuar imutável algures, enquanto as pessoas precisarem de traçar rumos sobre uma carta de navegação ou sobre a paisagem difusa de uma vida. Se continuarmos a prestar atenção às estrelas, acharemos Oríon sem dificuldade, e depois Perseu e as Plêiades. Isso é fácil porque a noite está muito limpa e não há nuvens; nem sequer um sopro de brisa. O vento de sudoeste caiu ao pôr do Sol, e a doca é um espelho negro que reflecte as luzes das gruas do porto, os castelos iluminados sobre as montanhas e os relâmpagos - verde à esquerda e vermelho à direita - dos faróis de San Pedro e Navidad.
Aproximemo-nos agora do homem. Está imóvel, apoiado ao cimo da muralha. Olha para o céu, que se anuncia mais escuro para leste, e pensa que no dia seguinte soprará de novo o levante, levantando vaga lá para fora. Parece também sorrir de uma forma estranha. Se alguém conseguisse ver o seu rosto, iluminado a partir de baixo pela claridade do porto, concluiria que existem sorrisos melhores do que aquele, mais esperançados e menos amargos. Mas nós sabemos a causa. Sabemos que, durante as últimas semanas, mar adentro e a poucas milhas daqui, o vento e a ondulação foram decisivos na vida deste homem. Embora já não tenham qualquer importância.»

Arturo Pérez-Reverte em O Cemitério dos Barcos Sem Nome (tradução de Helena Pitta, ASA Editores) 

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