segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

opressão

«Simon ergueu os olhos, sentindo o peso do seu cabelo molhado, e contemplou o céu. Lá no alto, pela primeira vez, havia nuvens, grandes torres bojudas que se projectavam sobre a ilha, cinzentas, cremes e acobreadas. As nuvens assentavam na terra; faziam pressão, destilando minuto após minuto aquele calor abafado e opressivo. Até mesmo as borboletas haviam desertado do espaço aberto onde aquela coisa obscena sorria e gotejava. Simon baixou a cabeça, mantendo cautelosamente os olhos fechados, e depois toldou-os com a mão. Não havia sombras sob as árvores, mas um sossego perolado por toda a parte, fazendo com que o que era real parecesse ilusório e indefinido. A pilha de vísceras era um borrão negro de moscas que zumbiam como uma serra. Passado um momento, aquelas moscas descobriram Simon. Empanturradas, pousaram nos regatos de suor dele e beberam. Fizéram-lhe cócegas por baixo das narinas e pularam-lhe nas coxas. Eram pretas e de um verde iridescente e infinitas; e, diante de Simon, o Deus das Moscas pendia na sua vara e sorria sinistramente. Por fim, Simon capitulou e voltou a abrir os olhos; viu os dentes brancos e os olhos mortiços, o sangue... e o seu olhar ficou prisioneiro daquele reconhecimento antigo e inelutável. Na sua têmpora direita uma pulsação começou a percutir o cérebro.»

William Golding, em O Deus das Moscas (tradução de Manuel Marques, Dom Quixote)

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