terça-feira, 11 de janeiro de 2011

não há saída possível

«Quando, um dia, o guarda me disse que estava preso há cinco meses, acreditei, mas não compreendi. Para mim era sempre o mesmo dia, que caía na minha cela, e era sempre a mesma tarefa, que eu perseguia sem cessar. Nesse dia, depois de o guarda ter saído, olhei-me na minha bacia de esmalte. Pareceu-me que o meu rosto ficava sério, mesmo quando tentava sorrir. Agitei-a diante de mim. Sorri, mas a imagem conservou o mesmo ar severo e triste. O dia acabava e era a hora de que não quero falar, a hora sem nome, em que os ruídos da noite subiam de todos os andares da prisão, num cortejo de silêncios. Aproximei-me da clarabóia e, à última luz do fim da tarde, contemplei uma vez mais a minha imagem. Continuava séria, o que não era de admirar, pois, nesse instante, também eu estava sério. Mas, ao mesmo tempo e pela primeira vez, ouvi distintamente o som da minha voz. Reconhecia-a por aquela que ressoava há tantos dias aos meus ouvidos, e compreendi que, durante este tempo, falara sozinho em voz alta. Lembrei-me então do que dizia a enfermeira no enterro da mãe. Não, não havia saída possível, e ninguém, ninguém pode imaginar o que são as noites nas prisões.»

Albert Camus em O Estrangeiro (tradução de António Quadros, Editora Livros do Brasil)

2 comentários:

Daniele Dallavecchia disse...

Boa noite! Tenha verdadeira paixão por este filósofo e escritor. Este livro é um espetáculo. A frieza do autor impressiona, mas ao mesmo tempo nos leva a compreender o que é ser um estrangeiro neste mundo que exige de nós emoções, reações diante do que é a moral. Bela escolha, meus parabéns.
abraços

Clementine disse...

Olá Daniele,

muito obrigada pelo teu comentário! Concordo contigo. As obras deste autor nunca nos deixam indiferentes... Este é o meu livro preferido dele, dos que li até ao momento.
Espero que o nosso cantinho te agrade, e te possamos encontrar por cá mais vezes! :)

Bjs

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