segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

As mãos

«Nessa noite, quando entrei no Casino, depois de ter passado diante de duas mesas a abarrotar de gente, aproximei-me duma terceira e, no momento em que preparava já algumas moedas de oiro, ouvi, com surpresa, num instante de pausa, durante a qual o silêncio parecia vibrar - pausa que se produz sempre que a bola está prestes a imobilizar-se e apenas oscila entre dois números -, ouvi, dizia eu, mesmo na minha frente, um ruído singular, um ranger e um estalar como que proveniente de articulações que se quebrassem. 
Sem querer, olhei, admirada, para o outro lado do pano verde. E divisei (com que susto!) duas mãos como nunca vira iguais, a mão direita e a mão esquerda enclavinhadas uma na outra como animais em luta, que se apertavam e se debatiam furiosamente, de forma tão dura e tão convulsiva, que as articulações das falanges estalavam com o ruído seco duma noz que se parte.
Eram de rara beleza essas mãos, extraordinariamente longas, extraordinariamente magras, e, no entanto, atravessadas por músculos de extrema rigidez (...) Contemplei durante toda a noite, com surpresa sempre nova, essas mãos estranhas, verdadeiramente únicas; mas o que me surpreendeu de forma aterradora, foi o seu estado febril, a sua expressão loucamente apaixonada, aquela maneira convulsiva de se apertarem e lutarem entre si. Compreendi logo tratar-se dum homem exuberante de força, que concentrava toda a sua paixão nas extremidades dos dedos, para não fazer explodir toda a sua pessoa.
E então... quando a bola caiu na cavidade com um ruído seco e abafado e o banqueiro apregoou o número... nesse momento as duas mãos separaram-se uma da outra, como dois animais feridos de morte pela mesma bala.
Caíram ambas, realmente mortas e não apenas exaustas; tombaram com uma expressão tão visível de abatimento e desilusão, de tal sorte fulminadas, aniquiladas, que as minhas palavras são impotentes para o descrever. (...) 
Depois, uma delas, a direita, começou penosamente a erguer as pontas dos dedos: tremeu, encolheu-se, girou à sua própria volta, hesitou, descreveu um círculo e, por fim, pegou nervosamente numa ficha que fez rolar num gesto perplexo, entre a extremidade do polegar e a do indicador, como uma pequena roda. (...) 
Logo, como obedecendo a um sinal, a agitação apoderou-se também da mão esquerda, que se conservava imóvel»

Stefan Zweig em vinte e quatro horas na vida de uma mulher (tradução de Alice Ogando, Livraria Civilização - Editora)

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