sábado, 5 de fevereiro de 2011

Nunca é demais o cuidado

«- O riso não é mau início para uma amizade e é o seu melhor epílogo - disse o jovem Lord, arrancando outro malmequer.
Hallward meneou a cabeça.
- Você não compreende o que é a amizade, Henry - murmurou - nem o que é a inimizade. Você gosta de todos; quer dizer, todos lhe são indiferentes.
- Isso é uma horrenda injustiça! - exclamou Lord Henry, atirando para trás o chapéu e erguendo os olhos para as nuvens, que, como novelos de seda branca, se iam desdobrando por sobre um céu de turquesa. - Sim, é uma horrenda injustiça. Eu faço uma grande distinção entre as pessoas. Escolho os meus amigos pela aparência, os conhecidos pelo carácter e os inimigos pelo intelecto. Nunca é demais o cuidado que se põe na escolha dos inimigos. Não tenho um que seja parvo. Todos eles têm uma certa intelectualidade, e, por conseguinte, todos eles me apreciam. É ser muito vaidoso? Parece-me que é sê-lo um bocadinho.
- Parece-me que sim, Henry. Mas, segundo a sua classificação, eu não devo passar dum mero conhecido. 
- Meu querido Basil, você é muito mais que um conhecido.
- E muito menos que um amigo. Uma espécie de irmão, não é assim?
- Oh, irmãos! Não me importam os irmãos! O meu irmão mais velho não quer morrer e os meus irmãos mais novos parecem não fazer outra coisa.
- Henry! - exclamou Basil, carregando o sobrecenho.
- Meu caro amigo, não estou a falar inteiramente a sério. Mas não posso deixar de detestar os meus parentes. Suponho que isso provém do facto de ninguém gostar de ver nos outros os seus próprios defeitos.»

Oscar Wilde em O Retrato de Dorian Gray (tradução de Januário Leite, Publicações Dom Quixote)

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