quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Os medos estavam por toda a parte

«Era cruel para as crianças terem perdido o avô Almeida e ao mesmo tempo serem afastados dos queridos medos que lhes aqueciam o coração. Os medos estavam nos sítios e nas pessoas conhecidas e vividas em todos os dias das suas pequenas vidas. Os serralheiros, escuros da limalha do ferro, trabalhavam diante das portas abertas da oficina. Eram vulcanos, como o pai lhes chamava, dizendo que tinham um sinal prodigioso na pele; ouvia-se o zumbido das máquinas que cortavam o metal. Lopo tinha medo dos vulcanos, e o irmão ajudava-o a passar diante da oficina.
- Vamos devagar, não corras.
Mas Lopo corria logo que se via a salvo das portas escancaradas. Era escuro lá dentro, escuro como os lugares mais tristes do jardim do velho Almeida. Era um jardim «à Porto», com muitas japoneiras que floriam, segundo as espécies, de Setembro até ao outro Setembro, tudo de seguida, como se fizessem a maratona da floração. O pai dizia, porque o avô o dizia antes dele:
- Vejam, acabam de apanhar a estafeta segunda.
Havia medos no jardim. O pequeno Lopo apreciava esses medos com toda a sua coragem de cinco anos. Mas era preciso que o irmão estivesse ao pé e lhe desse a mão para atravessarem o bosque dos brincos-de-princesa ou a alameda das tílias (...) 
Os medos estavam por toda a parte. No silêncio do fim da tarde, sobretudo. Ouvia-se, de repente, o grito duma ave, como se tivesse perdido o rumo do ninho.»

Agustina Bessa-Luís em Os Espaços em Branco (Lisboa Guimarães Editores) 

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