domingo, 13 de março de 2011

Laocoonte

«Laocoonte, eleito pela sorte sacerdote de Neptuno, imolava um touro poderoso ao pé dos altares solenes. Ora eis que duas serpentes, vindas através das ondas tranquilas de Ténedos (ainda estremeço de horror), alongam sobre o mar os seus imensos anéis e avançam de frente para a costa. Os seus peitos erguem-se no meio das vagas, e as suas cristas sangrentas dominam as ondas; o resto dos seus corpos aflora a superfície do mar, e as suas caudas imensas torcem-se em espiral. Ouve-se marulhar, espumosa, a onda amarga. Já elas tocavam em terra, e, de olhos ardentes, injectados de sangue e fogo, lambiam as suas goelas sibilantes com as suas línguas vibrantes. Nós fugimos ao avistá-las, gelados de pavor. Elas num andamento decidido, vão em direito a Laocoonte; e primeiramente ambas as serpentes, enlaçando os pequenos corpos dos seus dois filhos, enrolam-se em volta das presas e rasgam com mordeduras os seus pobres membros. Em seguida, voando Laocoonte em socorro deles, de armas na mão, elas agarram-no e estreitam-no nas suas roscas enormes; já duas vezes enlaçaram o seu corpo pelo meio e duas vezes, em torno do seu pescoço, enrolaram as caudas escamosas, elevando acima dele as cabeças e os altos cachaços. Ele esforça-se por afastar os seus nós com as mãos; a baba delas e o seu negro veneno sujam-lhe as fitinhas, e ao mesmo tempo ele endereça ao céus gritos medonhos. Assim muge um touro, quando, ferido pelo ferro, foge do altar sacudindo da cerviz o machado mal seguro. Entretanto as duas serpentes escapam-se rastejando a caminho das alturas do templo, alcançam a cidadela da Tritónia indomável e escondem-se aos pés da deusa e sob o orbe do seu escudo.
Então um novo terror se apossa de todos os corações que estremecem: dizem que Laocoonte expiou justamente o seu crime, ele que, com a ponta do ferro, atingiu o carvalho sagrado e lhe espetou nos flancos um dardo criminoso. Gritaram de todos os lados que é preciso conduzir o colosso ao santuário e implorar a protecção da deusa...»


Virgílio em A Eneida (tradução de Cascais Franco, Publicações Europa-América)


Escultura Grega: Laocoonte

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