quarta-feira, 27 de abril de 2011

Os que sonham de dia

«Descendo de uma estirpe que se distingue pelo vigor da imaginação e pelo ardor das paixões. Os homens chamaram-me louco; mas está ainda por estabelecer se a loucura é ou não a mais suprema inteligência, se muito do que é glorioso, se tudo o que é profundo não provém de uma enfermidade do pensamento - de modos de espírito exaltados em detrimento do intelecto geral. Os que sonham de dia são conhecedores de muitas coisas que escapam aos que apenas sonham de noite. Nas suas visões esfumadas, obtêm relances da eternidade e estremecem ao acordar, quando descobrem que estiveram à beira do grande segredo. Em fragmentos, adquirem algo da sabedoria do que é o bem, e mais ainda do simples conhecimento do que é o mal. Penetram, mesmo que sem leme ou bússola, no vasto oceano da "luz inefável" (...) 
Digamos, então, que sou louco. Reconheço, pelo menos, que há dois estados diferentes da minha existência mental - o estado de uma razão lúcida, indiscutível e referente à memória de acontecimentos que constituem a primeira época da minha vida, e um estado de trevas e de dúvida, relativo ao presente, bem como à minha existência. Assim, acreditai no que vou relatar do primeiro período, e dai ao que possa narrar do período seguinte apenas o crédito que vos pareça devido, ou duvidai completamente; ou ainda, se não puderdes duvidar, fazei como Édipo perante o seu enigma.»

Edgar Allan Poe em Histórias Extraordinárias I (tradução de J.Teixeira de Aguilar, Publicações Europa-América)

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