segunda-feira, 18 de abril de 2011

à tua ausência

«Foi um insignificante começo, mas esta sensação de nulidade que tantas vezes me acomete - um sentimento que, de outros pontos de vista, até pode ser nobre e fecundo - vem em grande parte da tua influência. O que eu precisava era de um pouco de estímulo, de um pouco de amabilidade, de um pouco de abertura no meu caminho. Em vez disso, barravas-me esse caminho, naturalmente com a melhor das intenções, para ver se eu escolhia outro. Mas eu não servia para outro. Encorajavas-me, por exemplo, quando eu saudava e marchava como deve ser, mas o meu futuro não era ser soldado; ou animavas-me quando comia bem e até bebia cerveja, ou quando cantava canções que não entendia ou repetia as tuas expressões favoritas, mas o meu futuro não passava por nada disso. E é muito significativo o facto de ainda hoje só me encorajares naquelas coisas que te tocam pessoalmente, quando o que está em causa é o teu amor-próprio, que eu de algum modo feri (por exemplo, ao pretender casar-me) ou que indirectamente se sente ferido por minha causa (por exemplo, quando a Pepa ralha comigo). É então que tu me encorajas, me lembras o meu valor e me chamas a atenção para os bons partidos a que eu teria direito, e Pepa é condenada sem apelo nem agravo. Mas, sem falar do facto de, na minha idade, eu não ser já sensível a encorajamentos desses, de que é que eles me serviriam se só chegam quando não sou eu o motivo de interesse?»

Franz Kafka em Carta ao Pai (Edições Quasi, tradução de João Barrento)

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