quinta-feira, 30 de junho de 2011

existo, somente

«Finco a mão no assento, mas retiro-a precipitadamente: aquilo existe. Esta coisa sobre a qual estou sentado, na qual finquei a mão, chama-se um banco. Fizeram-na de propósito para nos podermos sentar nela; foram buscar couro, molas, pano; puseram-se a trabalhar com a ideia de fazer um banco, e, quando acabaram, era isto que tinham feito. Trouxeram a coisa para aqui, para este eléctrico, para esta caixa, e a caixa anda e agora vai aos solavancos, com os vidros a tremer, e leva nas ilhargas esta coisa vermelha. Murmuro: «É um banco». Um pouco à maneira de um exorcismo. Mas o nome fica-me nos lábios: recusa-se a ir pousar no nomeado. A coisa permanece o que é, com a sua pelúcia vermelha, cuja felpa são milhares de minúsculas patinhas, apontadas para o ar e tesas, minúsculas patinhas mortas. Esta enorme barriga virada para cima, ensanguentada, inchada - engrossada por todas estas patinhas mortas, barriga a boiar nesta caixa, sob o céu cinzento -, não é um banco. Podia muito bem ser, igualmente, um burro morto, por exemplo, inchado pela água e a boiar à deriva, de pernas para o ar, um grande rio cinzento, um rio de inundação; e eu iria sentado na barriga do burro e os meus pés mergulhariam na água clara. As coisas libertaram-se dos seus nomes.»

Jean-Paul Sartre em A Náusea (tradução de António Coimbra Martins, Colecção Mil Folhas, Público)

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