terça-feira, 16 de agosto de 2011

(dois) números primos

«Os anos de liceu foram uma ferida aberta, que para Mattia e Alice parecera tão profunda que jamais acharam que pudesse cicatrizar. Passaram por eles como que em apneia, ele rejeitando o mundo e ela sentindo-se rejeitada pelo mundo, e aperceberam-se de que, no fundo, a diferença não era muita. Construíram uma amizade defeituosa e assimétrica, feita de longas ausências e de muito silêncio, um espaço vazio e limpo em que ambos podiam voltar a respirar, quando as paredes da escola se tornavam demasiado apertadas para ignorar a sensação de sufoco.
Depois, com o tempo, a ferida da adolescência cicatrizou. A pele de ambos os lados aproximou-se com movimentos imperceptíveis mas contínuos. A cada nova abrasão a crosta cedia, mas depois, obstinadamente, voltava a crescer, mais escura e mais espessa. Por fim, uma nova camada de pele, lisa e elástica, começou a substituir a que faltava. De vermelha que era a cicatriz tornou-se branca e acabou por se confundir com todas as outras.»

Paolo Giordano em A Solidão dos Números Primos (Bertrand Editora, tradução de José Serra)

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