sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Ela tinha de ser como as algas

«ainda que agora lhe pertencesse, ainda que vivesse na sua sombra (...) a verdade é que ela não era feliz. (...) nos seus olhos negros e vazios havia como que uma espécie de ferida (...) Pois ela continuava a sentir necessidade de fazer qualquer coisa, de se esforçar em qualquer direcção. E ali não havia nada para fazer, não havia direcção em que pudesse esforçar-se. Além disso, não conseguia aceitar totalmente aquela espécie de apagamento, de submersão, que a nova forma de amar parecia exigir-lhe. (...) Sentia-se dominada pela enervante necessidade, tão comum nos nossos dias, de dar prova do amor que se tem por alguém. Mas sabia que, na verdade, devia deixar de continuar a querer dar prova do seu amor. Pois ele não aceitaria esse amor, um amor que tinha de dar prova de si mesmo, o amor que ela queria dar prova perante ele. (...) Não, ele não a deixaria dar prova do seu amor para com ele. Não, ela tinha de ser passiva, aquiescente, de se deixar apagar, de se deixar submergir sob as águas calmas do amor. Ela tinha de ser como as algas que costumava ver ao passear de barco, balouçando suave e delicadamente, para sempre submersas sob as águas, com todas as suas delicadas fibrilas para fora, estendidas num doce ondular, vergadas e passivas sob a força da corrente, delicadas, sensíveis, numa entrega total, absoluta, abandonando-se, em toda a sua sensibilidade, em toda a sua receptividade, sob as águas escuras do mar envolvente, sem nunca, mas nunca, tentarem subir, emergir de sob as águas enquanto vivas. Não, nunca. Nunca emergem das águas enquanto vivas, só depois de mortas, quando, já cadáveres, sobem então à tona, levadas pela maré. Mas, enquanto vivas, mantêm-se sempre submersas, sempre sob as ondas. E, contudo, apesar de jazerem sob as ondas, podem criar poderosas raízes, raízes mais fortes que o próprio ferro, raízes que podem ser tenazes e perigosas no seu suave ondular, batidas pelas correntes. Jazendo sob as ondas, podem, inclusivé, ser mais fortes e indestrutíveis do que os orgulhosos carvalhos que se erguem sobre a terra. Mas sempre, sempre, submersas, sempre sob as águas. E ela, sendo mulher, teria de ser assim, teria de aprender a ser como essas algas»

D. H. Lawrence em O Raposo (tradução de Emanuel Godinho, Vega)

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