terça-feira, 23 de agosto de 2011

o poder do povo

« -Tu não percebeste que não estou sozinho? O que te mete medo, não sou eu, é toda a multidão dos homens que as minhas palavras escondem. Eles estão de pé por trás de mim. Não os vês?
- É a infelicidade que alucina, ó homem. Volta a cair em ti. No caminho da vida, as infelicidades são muitas.
- No caminho da vida - disse Abdel Al -, encontramos, por vezes, a vingança.
- Que vingança?
- A de um povo oprimido que desperta e que nada poderá deter.
- Continuas a divagar, ó homem. Que palavras são essas? E que sentido têm? Diz-me!
- Talvez o saibas, um dia.
- Tu morrerás bem antes disso - disse Si Khalil.
- A casa desabará sobre nós - disse Abdel Al. - Mas nós somos muitos. Não matará toda a gente. O povo viverá e saberá vingar todos os outros.
Si Khalil ouve esta voz que se ergue na noite. É a voz de um povo que desperta e que cedo vai estrangulá-lo. Cada minuto que passa o separa da sua antiga vida. O futuro está cheio de gritos. O futuro está cheio de revoltas. Como represar este rio transbordante que vai submergir as cidades? Si Khalil imagina a casa desabada sob o pó dos escombros. Vê os vivos aparecer por entre os mortos. Pois nem todos serão mortos. É preciso contar com eles, quando se erguerem com os seus rostos sangrentos e os seus olhos de vingança.»

Albert Cossery em A Casa da Morte Certa (Antígona, tradução de Ana Margarida Paixão)

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