«Gastaram-se minhas mãos e meus olhos em numerosos corpos,
e sei somente
que o olhar comprazido e as lentas carícias
anulavam o mundo
que não era o território precioso da carne.
Nem o fumo das achas que arderam
pode regressar.
Adorei o que o tacto adorou. Sei-o como me sei.
E é-me alheio e débil como se fosse imaginado.
Continuo servo do deus que me concedeu uma vida
pela qual a desdita pôde ser aceite.
Hoje vêem os olhos, na presença da carne,
igual o diferente,
e o tacto do que oficia não acha nada
que lhe conceda o frémito:
meu corpo já é a chaga de uma sombra.
O deus que tanto deu para tirar-mo,
e ao qual nunca rezei nem fui blasfemo,
também se desvanece como se fosse um corpo.
Misericórdia estranha
esta de recordar quanto perdi
e amar ainda a sua inexistência.»
Francisco Brines em A Última Costa (tradução de José Bento, Assírio & Alvim)
Sem comentários:
Enviar um comentário