terça-feira, 6 de setembro de 2011

feliz atrapalhação

«Ao pendurar o receptor, Fedor quase deitou abaixo da mesa a vareta de aço flexível do porta-lápis; tentou agarrá-la e foi nesse momento que a fez cair; depois bateu com a coxa na esquina do aparador; em seguida deixou cair um cigarro que tirava do maço enquanto andava; e por fim, calculou mal o empurrão na porta, que se abriu tão sonoramente que Frau Stoboy, nesse preciso momento a passar no corredor com um pires com leite na mão, exclamou glacialmente: - Irra! -. Queria dizer-lhe que o seu vestido amarelo-claro às tulipas azuladas era bonito; que a risca do cabelo frisado e as bolsas trementes das suas maçãs do rosto lhe conferiam um ar de realeza george-sandesca; que a sua sala de jantar era a epítome da perfeição. Mas limitou-se a um sorriso radiante e quase tropeçou nas riscas tigradas que não tinham conseguido agarrar o gato, que dera um salto para o lado; no fundo, nunca duvidara de que as coisas seriam assim, que o mundo, na pessoa dos quinhentos e poucos amantes de literatura que abandonaram São Petersburgo, Moscovo e Kiev, apreciariam imediatamente o seu dom.»

Vladimir Nabokov em O Dom (Edição Assírio & Alvim, tradução de Carlos Leite)

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