domingo, 25 de setembro de 2011

o meio-dia eterno

«Simón concentra-se na sua torrada de pão negro e na sua chávena de café. Estende a mão e acaricia a de Emilia, que se detém no ar.
Já ouviste falar do meio-dia eterno? pergunta ele.
Uma vez, há muito tempo, diz Emilia. Esqueci-me do que significa.
Aprendi-o num lar de idosos.
Estiveste num lar de idosos?
Sete anos, trabalhei num.
(...)
Um lar de idosos, repete. Sete anos. Não creio que fosses um dos pacientes.
Trabalhei num deles, já te disse. Sou muito novo para ser paciente.
E foi aí que te falaram do meio-dia eterno.
Foi um escritor que se passeava pelos pátios com uma pequena ardósia. Tinha publicado romances, livros de contos e, no seu tempo, tinha sido famoso, ou era o que dizia. Mostrava o desenho de uma circunferência, com uma tangente que saía das margens. Quando os pacientes apanhavam sol no pátio, o da ardósia dizia-lhes: Acompanhem-me agora ao meio-dia eterno. Explicava que a circunferência era o tempo, girando incessantemente, e o ponto de contacto com a tangente representava o presente imóvel. O nosso olhar tende a ver o que se move, mas se ficássemos por instantes fixos na contemplação do presente, o meio-dia seria eterno. A paisagem altera-se à medida que passam as estações, dizia o escritor, mas a janela que enquadra a paisagem é sempre a mesma.
Acho que li uma coisa desse género, em Schopenhauer ou em Nietzsche. O sol arde sem cessar no meio-dia eterno.
Não sei. Eu ficava no pátio a cuidar do homem da ardósia até ao pôr-do-sol. A noite caía e não reparávamos. Para nós era sempre meio-dia.
Não se moviam?
Não podíamos. Se nos movêssemos, o tempo também se movia.
Era um tormento, não era?, pergunta Emilia. Essa fixação.
Pelo contrário. A fixação era a vida. Até os meios-dias eternos terminam, tal como a espera no Purgatório. Ficamos aí uma eternidade, mas no outro lado da eternidade fica o Céu.
Se alguma coisa termina, não é eterna.
É tudo uma questão de geometria. O da ardósia e eu escapávamo-nos literalmente pela tangente. Enquanto o círculo do tempo continuava a mover-se, nós íamos por fora, de ponto em ponto, como Zenão ensina: O movido não se move no lugar em que está nem no que não está. Continuávamos imóveis no presente e simultaneamente avançávamos. Não sabíamos em direcção a quê, e isso era o melhor: a liberdade de estarmos suspensos sem esperar nada nem ninguém. Já vês onde vim bater.
Onde?
A ti. Foi um regresso. Podíamos morrer agora e não faria mal.
Porquê? Agora não quero morrer.»

Tomás Eloy Martínez em Purgatório (Porto Editora, tradução de Helena Pitta)

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