domingo, 20 de novembro de 2011

Uma vela acesa não pode arder eternamente

«o que entende por verdadeiro amor? - disse timidamente o senhor de olhar brilhante, com um sorriso contrafeito.
- Todo o mundo o sabe! - disse a senhora, declaradamente desejosa de interromper a conversa.
- Pois eu desconheço tal amor - disse o senhor - e gostava que me explicasse o que entende por verdadeiro amor.
- Como?... É uma coisa bem simples - disse a senhora. E reflectindo um instante acrescentou: - O amor é a predilecção exclusiva de um homem ou de uma mulher pelo indivíduo de sexo diferente.
- Por quanto tempo essa predilecção? Por um mês? Por dois dias? Por meia hora? - perguntou o senhor de cabelos brancos, desatando a rir.(...)
- Por quanto tempo? Por muito... por toda a vida... - disse a senhora, sacudindo os ombros.
- Nos romances, talvez. Na vida real, nunca. É muito raro essa preferência durar anos. Na maioria dos casos dura meses, semanas, dias, ou mesmo horas.
Ele sabia que estas opiniões, evidentemente, espantavam todos e sentia-se satisfeito.
- Não, não é verdade - disseram todos. (...)
- Eu sei... Os senhores falam do que deveria ser. Eu falo do que realmente é. Todo o homem sente o que os senhores chamam amor, por qualquer mulher bonita. 
- É horrível o que o senhor diz. O amor existe, e dura, não só meses, não só anos, mas toda a vida.
- Não. Não é verdade. Mesmo  admitindo que um homem prefira uma mulher toda a vida, essa mulher preferirá outro. Foi sempre assim e assim continuará a ser.
Pegou na cigarreira, tirou um cigarro e acendeu-o.
- Mas a reciprocidade existe - disse o advogado.
- Não. É tão impossível como encontrarem-se num vagão cheios de grãos, dois grãos previamente marcados. Amar um homem, ou amar uma mulher toda a vida é teimar que uma vela acesa pode arder eternamente - concluiu ele, aspirando avidamente o fumo do cigarro.»

Tolstoi em A Sonata de Kreutzer (tradução de Jorge Reis, RBA Editores)

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