sábado, 21 de julho de 2012

sem ilusões

«Já não acalento ilusões sobre o futuro que nos reservas! Infelizmente já tivémos provas bastantes da tua aspereza, da vilania dos teus instintos, do teu egoísmo assustador... Todos nós sabemos da tua queda para a preguiça, para a dissipação, do teu gosto quase monstruoso pelo luxo e pelo prazer... Bem sabemos o que nos espera... Decididamente, não há brandura, não há prova de afeição capaz de pôr cobro, de atenuar o carácter desenfreado e implacável das tuas tendências... Parece-nos que, quanto a isso, fizemos os possíveis, tudo tentámos! O certo é que hoje chegámos ao fim das forças, já nada mais temos a arriscar! Não podemos mais lançar mão dos nossos parcos recursos para te arrebatar ao teu destino! Diz adeus a isso!...

Pretendo com esta última carta advertir-te, como pai e como camarada, antes do teu regresso definitivo, e pela derradeira vez, para tu te precaveres enquanto ainda é tempo contra qualquer inútil amargura, qualquer surpresa ou supérflua rebeldia, de que não deverás contar, para o futuro, senão contigo mesmo, Ferdinand! Única e exclusivamente contigo! Não contes mais connosco! Por favor! Para assegurar o teu mantimento, a tua subsistência! Estamos nas últimas, eu e a tua mãe! Nada mais podemos fazer por ti!...»

Louis-Ferdinand Céline em Morte a Crédito (Assírio e Alvim, tradução de Luiza Neto Jorge)


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