sábado, 13 de outubro de 2012

o sabor da terra

«A seus pés, o vale do Hula, inundado de sol, ia ficando dourado. Os tanques de peixes brilhavam e os pomares de pêssegos floresciam de cor-de-rosa. Ora estava deitada com a cara virada para baixo, para o chão, a contar uma história para o ventre da terra, provou os torrões de terra e soube que eles não adoçariam, que ficariam para sempre insípidos e arenosos. Tinha terra entre os dentes, terra colada à língua e ao céu da boca, terra que se tornara lama. O ranho escorria-lhe do nariz, os olhos lacrimejavam, engasgava-se e engolia terra, mas não parava de bater com as mãos na terra dos dois lados da cabeça, ao mesmo tempo que martelava na cabeça como se fosse um prego o pensamento que tinha de... tinha de saber como é, pois quando ele era bebé ela também provava a comida que preparava para ele, para ver se não estava quente ou salgada de mais. Avram, em cima, respirava depressa e contorcia-se e mordia distraidamente os nós dos dedos apertados. Queria agarrar em Ora e arrancá-la dali, mas não ousava tocar nela.»

David Grossman em Até ao Fim da Terra (tradução de Lúcia Liba Mucznik, Editora D. Quixote)

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