domingo, 7 de outubro de 2012

Viagens de Circum-Navegação

«Uma majestosa taça chinesa, cheia de jarros do quintal, marca o centro da composição. Em frente ao piano, o banco redondo de tampo de veludo roda sobre uma espiral podendo adaptar-se à altura do pianista da ocasião.
Quando Menina descobriu um dia que podia fazer nele grandes viagens em círculo, o tampo passou a rodar para cima e para baixo várias vezes ao dia, e a uma velocidade pouco habitual para um banco com uma função tão específica e nobre, até que um dia voou pelo hall fora provocando estragos e assustando toda a casa com o estrondo. As viagens de circum-navegação, como ela pomposamente lhes chamava, pararam então por uns tempos até o incidente ficar esquecido. Menina tinha entretanto estudado e aperfeiçoado todos os pormenores da corrida, e quando se deu aquilo a que passou a chamar O Desastre, dominava perfeitamente a técnica dessas viagens vertiginosas que lhe punham a cabeça a andar à roda, numa deliciosa sensação de confusão interior até à queda inevitável, quando o tampo estacava em travagem brusca e ela deslizava, delirante e tonta no tapete verde como se aterrasse num vale com erva, cheirando estranhamente a pó das casas.»

Teresa Saavedra em Memória das Doze Casas (Civilização)

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