segunda-feira, 25 de março de 2013

Luto, ninguém o sabe

«Luto, ninguém o sabe; mais de uma pessoa o sente, isso é inevitável; mas ninguém o sabe. Cumpro os meus deveres quotidianos, no máximo poder-me-iam censurar qualquer ligeira distracção. Naturalmente todos lutam, mas eu luto mais do que os outros, a maior parte luta como no sono, como quando se move a mão em sonhos para expulsar uma visão, mas eu expus-me e luto explorando as minhas forças inteiramente, com reflexão e minúcia. Porque me expus, saindo das fileiras da multidão que, sem dúvida barulhenta por si própria, é sob este aspecto de um silêncio inquietante? Porque atraí a atenção para mim? Porque estou presentemente na primeira lista do inimigo? Ignoro-o. Uma outra vida não me teria parecido digna de ser vivida. A história militar designa semelhantes homens como naturezas guerreiras. E contudo não se trata disso, não é a vitória que espero, não é a luta que me dá prazer, é apenas enquanto única coisa a fazer que me pode satisfazer. Como tal, a luta enche-me com efeito de uma alegria que ultrapassa a minha faculdade de gozo ou a minha faculdade de dom, e não será talvez à luta mas à alegria que acabarei por sucumbir.»

Franz Kafka em Antologia de Páginas Íntimas (tradução de Alfredo Margarido, Guimarães Editores)

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