segunda-feira, 1 de julho de 2013

não há tempo


«Uma única vida é pouco. Para se fazer aquilo que se sabe, se pode, se quer e se deve fazer é preciso deixar muitas outras coisas para trás. Essa é a conclusão a que se chega logo no fim da adolescência. Quando os números deixam de ser números. Trinta, quarenta, cinquenta anos. As gerações sucedem-se. Os degraus de uma escada rolante que desaparecem lá em cima enquanto subimos, subimos, olhamos para trás e ainda vemos o primeiro degrau, quase como quando tínhamos acabado de chegar e, no entanto, continuamos a subir e vemos já o fim. Os nossos avós mortos, os nossos pais mortos, nós, os nossos filhos, os nossos netos. E, se existir um horizonte, podemos olhá-lo e perceber finalmente que levamos o tempo dentro de nós.
Eu olho para esse horizonte, arrependo-me, não me arrependo e tento compreender ou lembrar-me daquilo que quero mesmo. Penso em tudo o que posso fazer para que aconteça: os gestos e as palavras. Então, hoje é um dia mais forte e, de repente, imenso. No instante dessa constatação, aceito tudo o que nunca fiz e que acredito que não terei vida suficiente para fazer. Num dia, avisado ou sem aviso, morrerei. Aceito essa certeza sem que ninguém me pergunte se estou disposto a aceitá-la.»

José Luís Peixoto em Abraço (editora Quetzal)

Sem comentários:

Enviar um comentário