sábado, 27 de julho de 2013

tudo quanto importa

«Novamente o percorreu um sentimento de felicidade, de calma e segurança do coração, maravilhoso e cheio de delícias para quem sabia o que era angústia e pavor. Lembrava-se de uma frase da sua infância. Falava-se, entre companheiros de escola, do segredo dos acrobatas, que sabiam andar sem medo e firmemente sobre o arame. E um de entre os rapazes dissera: "Se fizeres no teu quarto um risco a giz, terás tanta dificuldade em andar sobre ele como sobre o mais fino arame. E, contudo, pisamo-lo seguramente porque não há perigo. Se imaginares que o arame é um risco de giz e o ar de ambos os lados é o chão, podes andar sobre qualquer fio". Viera-lhe esta frase à mente. Como era bela! Não se teria passado, com ele, justamente o contrário? Isto é, não poder andar seguro e firme sobre o chão plano, porque o tomava por um fio de arame?

Ficou intimamente radiante por lhe acorrerem estas coisas consoladoras, adormecidas nele, e por se mostrarem de quando em quando. Dentro de nós está tudo quanto importa, de fora ninguém nos pode ajudar. Não estar em guerra, viver em íntima paz e amor! Tudo então nos seria possível. Não somente poderíamos dançar sobre o arame, mas até voar!»

Hermann Hesse em Ele e o Outro (tradução de Manuela de Sousa Marques, Guimarães Editores)

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