terça-feira, 27 de agosto de 2013

Indomáveis Vozes

«Oh, todos estão rodeados de um emaranhado de vozes, todos vagueiam no meio delas durante toda a vida, vagueiam e vagueiam e no entanto estão presos no mesmo lugar na impenetrabilidade da floresta de vozes, estão enredados na vegetação da noite, enredados nas raízes da floresta, que se fixam para lá de qualquer tempo e de qualquer lugar, oh, todos estão ameaçados pelas indomáveis vozes e pelos seus tentáculos, por ramos de vozes e por vozes de ramos, que, cingindo-se, o cingem, que crescem umas das outras, crescendo direitas e voltando a entortar-se umas nas outras, demoníacas na sua independência, demoníacas na sua individualidade, vozes de segundo, vozes de anos, vozes de eras, que se entrelaçam numa teia de mundos numa teia de tempos, incompreensíveis e impenetráveis na sua gritante mudez, húmidas de gemidos de dor e roucas de feroz alegria de todo um mundo; oh, ninguém foge ao tumulto primevo, isso a ninguém é poupado, uma vez que todos, quer saibam ou não, não são mais do que uma das vozes, eles próprios a elas pertencem e à sua ameaça impenetrável, indissolúvel e indivisível»

Hermann Broch em A Morte de Virgílio (tradução de Maria Adélia Silva Melo, Relógio d'Água)

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