«- Sabe o senhor aonde eu gostava de ir hoje?
Calculem! Teresinha com iniciativas.
- Não, Teresinha; ora diga lá.
- À ponte. Queria ver o senhor deitar outra vez papéis às andorinhas.
Fomos
à ponte, mas não sei o que dera nas andorinhas. Voavam longe e acabei
por migar duas folhas inteiras de apontamentos sem que uma só viesse dar
suas ligeiríssimas bicadas.
- Ora viu como é a vida, Teresinha? Queríamos andorinhas e não há andorinhas.
- Mas eu gostei mesmo assim; o senhor não viu como o rio estava bonito?
- Não reparei Teresinha.
- E o senhor não quer reparar? – perguntou ela, quando já íamos no fim da ponte.
- Agora não vale a pena voltar para trás.
Pareceu-me
que, pela primeira vez, ficara um pouco triste comigo. De modo que, com
muita paciência, tornei a meio da ponte e reparei no rio. Estava lindo
mesmo, de um verde escuro e denso e um faiscar de sol em cada crista de
ondulação, logo descendo, fugindo, voltando, num lucilar de espelho
facetado cujas facetas se movessem. Um barco de toldo passou com gente
em festa; e de cima, através do ar puro, ouvia-se música de harmónio. Eu
disse para ela, já muito manso:
- A Teresinha um dia devia aprender a tocar.
- Porque é que o senhor diz isso?
- Porque tocar ainda é a melhor maneira de estar ao pé das pessoas sem lhes pesar. E de lhes ficar na lembrança para sempre.»
Agostinho da Silva em Herta Teresinha Joan (Biblioteca Editores Independentes)
1 comentário:
Não sabia que Agostinho da Silva escrevia ficção. Gostei deste trecho.
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