quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Nada foi como devia ser

«Durante aqueles três dias, em que o tempo não existia para ele, debateu-se naquele saco negro para o qual o empurrava uma força invisível, irresistível. Debateu-se como se debate um condenado à morte nas mãos do carrasco, sabendo que não se pode salvar; e em cada momento sentia que apesar de todos os esforços de luta estava cada vez mais perto daquilo que o horrorizava. Sentia que o seu sofrimento era também por estar a ser enfiado naquele buraco negro e ainda mais pelo facto de não conseguir entrar nele. Era impedido de penetrar pela consciência de que a sua vida tinha sido boa. Era essa justificação da sua vida que o prendia e o impedia de avançar e que o atormentava mais do que tudo.
De súbito uma força desconhecida atingiu-o no peito e no flanco, oprimindo-lhe ainda mais a respiração, caiu no buraco e ali, no fundo do buraco, qualquer coisa começou a brilhar. Aconteceu-lhe aquilo que lhe costumava acontecer na carruagem do comboio, quando pensava que seguia para a frente e ia para trás, e de repente descobria a verdadeira direcção.
- Sim, nada foi como devia ser - disse a si mesmo.»

Lev Tolstoi em A Morte de Ivan Ilitch (tradução de António Pescada, Leya)

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