domingo, 15 de setembro de 2013

Se fosse poeta poderia dizer o que quero

«- Metáforas, homem!
- Que coisas são essas?
O poeta pôs uma mão no ombro do rapaz.
- Para te esclarecer mais ou menos imprecisamente, são maneiras de dizer uma coisa comparando-a com outra.
- Dê-me um exemplo.
Neruda olhou para o relógio e suspirou.
- Bem, quando tu dizes que o céu está a chorar, o que é que queres dizer?
- Que fácil! Que está a chover, pois.
- Bem, isso é uma metáfora.
- E porque é que sendo uma coisa tão fácil, se chama uma coisa tão complicada?
- Porque os nomes não têm nada a ver com a simplicidade ou complicação das coisas. Segundo a tua teoria, uma coisa pequena que voa não devia ter um nome tão comprido como mariposa. Pensa que elefante tem o mesmo número de letras que mariposa e é muito maior e não voa - concluiu Neruda exausto. Com um resto de ânimo, apontou a Mario o caminho para a calheta. Mas o carteiro teve a presença de espírito para dizer:
- Poça, como eu gostava de ser poeta!
- Homem! No Chile todos são poetas. É mais original que continues a ser carteiro. Pelo menos andas muito e não engordas. No Chile todos os poetas são barrigudos.
Neruda voltou a pegar na maçaneta da porta, e dispunha-se a entrar quando Mario, fitando o voo de um pássaro invisível, lhe disse:
- É que se fosse poeta poderia dizer o que quero.
- E o que é que queres dizer?
- Bem, esse é justamente o problema. Como não sou poeta, não sei dizê-lo.»

Antonio Skármeta em O Carteiro de Pablo Neruda (tradução de José Colaço Barreiros, Teorema)

1 comentário:

Ana Pessoa disse...

Maravilhoso este trecho. O filme é igualmente maravilhoso. Como não sou poeta, não sei dizer tudo o que sinto mas gostei muito de reler aqui Skarmeta. Parabéns pelo blog!

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