sábado, 5 de outubro de 2013

Foi tamanho o espanto

«Nada do que aconteceu naquele dia 29 de Abril poderá ser descrito de forma verosímil, racional, lógica, desafectada. Tudo o que se possa dizer sobre o ocorrido será sempre entendido como o resultado de uma alucinação colectiva, de uma imaginação desenfreada, demente, ou de um qualquer desejo obscuro de passar à história ganhando notoriedade através de um hábito ancestral de confundir real e irreal, sem qualquer traço daquele pudor que por vezes trava a desmesura ou o seu relato.
Mirabilia, assim a baptizara uma madrinha a quem faltara o senso suficiente para temer a força de um nome e de um destino que assim lhe impunha, tinha-se recostado como habitualmente na cadeira de baloiço do alpendre, baloiçando-se ao ritmo de uma cadência diariamente repetida quando, naquele vai-e-vem rotineiro, se despenhara por um buraco imenso que de repente se abrira no chão térreo, sob os seus pés.

Diz quem viu que Mirabilia mergulhou rumo ao desconhecido de uma cratera igualmente desconhecida, recém-chegada.
Diz quem ouviu que só teve tempo de soltar um grito que rapidamente se tornou longínquo, cavernoso, subterrâneo, inaudível.
Dizem os que depois foram contando o que souberam por outros, ou o que souberam por si mesmos, que foi tamanho o espanto dos habitantes de Azinheira-a-Velha que as bocas se mantiveram abertas durante três dias sem que lhes fosse possível articular qualquer palavra(...)»

Maria Teresa Meireles em Mirabilia (Chiado Editora)

1 comentário:

Ana Pessoa disse...

Vou procurar, comprar e ler. Já conheço a escritora de outros livros e assisti a um curso seu sobre Literatura. Muito bom saber que começou a editar ficção.

Enviar um comentário