terça-feira, 12 de novembro de 2013

Mudança Literária

"Adrienne Lefebvre não se limitava a adivinhar o futuro do cliente, punha-o também no trilho certo, de modo a sair da roda do vício. Lefebvre pedia aos seus clientes, tudo pessoas de surpreendente erudição, que escrevessem, por ordem, os dez livros mais significativos para a sua vida. Pela escolha do cliente, determinava o padrão. «Ora, à cabeça, temos um Kafka, um Orwell, um Homero. Vejo um divórcio no seu futuro, algum problema de consciência e um conflito moral, vejo até, talvez, uma acção judicial interposta pela sua futura ex-mulher. O senhor sente-se pressionado a fazer grandes coisas, mas acaba as tardes no café do bairro, com uma aguardente nas mãos, por vezes a discutir o jogo de domingo.»
«No sentido da cura e convalescença, proponho uma mudança literária, uma volta e revolta na leitura. Para já, há que abandonar a livraria do costume, onde nos dirigimos a determinadas prateleiras. É preciso ir ao escaparate das novidades ou ler outro tipo de clássicos. Há que ler um Chandler pela manhã e um Rabelais ao deitar. Durante o dia, aconselho a pelo menos quarenta e cinco minutos de Cyrano ou um pouco, nunca menos de meia hora, de Aristófanes. Isto no seu caso. Mas mal se sinta melhor, mal sinta que a sua vida segue outro rumo mais de acordo com os seus desejos, largue a comédia grega, que pode dar um ar demasiado leviano à vida e pode até levar à impotência, ou pior, a fazer um comentário sem qualquer profundidade intelectual numa conversa de café. Se tiver dificuldades para adormecer leia um Tolstoi.»"

Afonso Cruz em Enciclopédia da Estória Universal (Quetzal)

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