segunda-feira, 31 de março de 2014

quem somos para os outros?

«Eis uma primeira lista das funestas reflexões e das conclusões terríveis provocadas pelo inocente e momentâneo prazer que Dida, a minha mulher, quisera proporcionar-se. Isto é, fazer-me notar que o meu nariz descaía para a direita.

Reflexões:

1ª - para os outros eu não era aquele que, para mim, tinha até então julgado ser;
2ª - não podia ver-me viver;
3ª - não podendo ver-me viver, permanecia estranho a mim mesmo, ou seja, alguém que os outros podiam ver e conhecer, cada qual à sua maneira, e eu não;
4ª - era impossível colocar-me diante desse estranho para o ver e conhecer; eu podia ver-me, mas não vê-lo;
5ª - para mim o meu corpo, se o observava de fora, era como uma aparição, uma coisa que não sabia que vivia e ficava ali, à espera de alguém que pegasse nela;
6ª - tal como eu pegava no meu corpo para ser, por vezes, como me queria e me sentia, também qualquer um podia pegar nele para lhe dar uma realidade à sua maneira;
7ª - finalmente, aquele corpo, por si mesmo, era de tal forma nada e de tal forma ninguém que um fio de ar podia, hoje, fazê-lo espirrar, amanhã, levá-lo consigo.»

Luigi Pirandello em Um, Ninguém e Cem Mil (tradução Maria Jorge Vilar de Figueiredo, Edição Diário de Notícias)

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