sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Em parte nenhuma existe a certeza

«- Julgo compreender - disse Knecht. - Mas aqueles que têm preferências e aversões tão fortes não são muito simplesmente as naturezas mais apaixonadas, enquanto os outros possuem temperamentos mais calmos e doces?
- Parece ser verdade mas no entanto não é - respondeu o Mestre, rindo-se. - Para se ser bom em tudo e estar à altura de todas as tarefas, não se pode ter, de certeza, falta de força de alma, nem de dinamismo e calor, antes pelo contrário: tem de se ter de mais. Aquilo a que chamas paixão, não é força de alma, mas fricção entre a alma e o mundo exterior. Onde reina o sentimento apaixonado, a força do desejo e da aspiração nada tem de transbordante: a sua direcção é um alvo individual e falso e daí a atmosfera de tensão e peso. Quem dirige as forças mais elevadas do seu desejo para o centro, para o ser verdadeiro, para a perfeição, parece mais calmo do que o apaixonado, pois a chama do seu ardor nem sempre será visível. Por exemplo, numa discussão, ele não grita nem gesticula. Mas digo-te: esse homem deverá arder, e queimar!
- Ah! Se ao menos pudéssemos saber como! - exclamou Knecht. - Se ao menos houvesse uma doutrina, uma coisa que se pudesse acreditar! Tudo se contradiz, tudo se furta a tudo, em parte nenhuma existe a certeza.»

Hermann Hesse em O Jogo das Contas de Vidro (tradução de Carlos Leite, Publicações Dom Quixote)

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