terça-feira, 22 de março de 2011

Vem uma mudança no tempo

 «Vem uma mudança no tempo do coração
  secar a sua seiva, e um brilho que nos fere
  vibra no interior glacial do túmulo.
  Transforma-se na cidade das veias
  a noite em dia, e movem-se ali os vermes
  sob o reflexo solar do próprio sangue.

  Vem uma mudança ocultar nos olhos
  os ossos da cegueira, e então o ventre
  mergulha na morte como o aparecimento da vida.

  A escuridão no tempo dos olhos
  encontra-se com a luz; a profundidade do mar
  rompe sobre uma terra sem arestas.
  A semente, que gera dos flancos um bosque
  vem dividir o seu fruto, e cada metade
  derrama-se lentamente no vento adormecido.

  O tempo ao percorrer a nossa carne e os ossos
  fica húmido e seco; o que desperta e o que morre
  junto dos olhos são como dois espíritos.

  Vem uma mudança no tempo do mundo
  transformar um espírito no outro, e cada criança
  na sua mãe amolda-se sob uma dupla sombra.
  Assim é arrastada a lua em direcção ao sol,
  da pele são removidas as andrajosas vestes,
  e o coração abandona-se à morte.»


Dylan Thomas em A Mão Ao Assinar Este Papel (tradução de Fernando Guimarães, Assírio & Alvim)

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