quinta-feira, 7 de abril de 2011

Serás capaz de dizer: Isto existe!

«É mesmo necessário que aquilo que faz a felicidade do homem seja também a fonte da sua desgraça?
A sensibilidade plena e ardente do meu coração perante a natureza viva, que me inundava do mais puro deleite, que fazia do mundo à minha volta um paraíso, tornou-se-me um verdugo insuportável, um espírito torturante que me persegue por todo o lado. Como tudo se modificou! Outrora, do alto dos penedos, espraiava o olhar pelo vale fértil, que se estendia para além do rio até às colinas, e via tudo em redor germinar e crescer; contemplava as montanhas revestidas de arvoredo alto e espesso do sopé ao topo, os vales, no seu recorte multiforme e ondulado, sombreados por bosques aprazíveis (...); à minha volta a vida mexia e vibrava, chamando-me a atenção para a terra, onde o musgo extorquia ao rochedo duro o seu alimento, e o silvado, ao longe da duna árida, revelava-me a vida íntima, fogosa, sagrada da natureza - tudo isto eu encerrava calorosamente no meu coração, sentindo-me como que divinizado nesta transbordante plenitude, e as formas grandiosas do mundo infinito habitavam na minha alma, tudo contagiando de vida. Rodeavam-me montes imensos, diante de mim cavavam-se abismos, onde as águas da tempestade se iam precipitar, os rios corriam a meus pés, floresta e montanhas ressoavam; e eu vi-as, a todas as forças insondáveis, agindo umas sobre as outras nas profundezas da terra (...) Tudo, tudo povoado por mil figuras (...) É como se um reposteiro tivesse sido corrido diante de mim e agora o palco da vida infinita transforma-se no abismo do túmulo eternamente aberto. Serás capaz de dizer: Isto existe!, quando tudo é transitório e vai rodando veloz como o raio, quando é raro perdurar toda a força da nossa existência e somos arrastados na corrente inundante que acaba por nos despedaçar de encontro aos rochedos? Não há momento que não te consuma e aos teus, momento em que não sejas, não tenhas de ser devastador»

Goethe em A Paixão do Jovem Werther (tradução de Teresa Seruya, Relógio D'Água Editores)

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