terça-feira, 13 de setembro de 2011

o sabor das palavras

«Antonio José Bolivar sabia ler, mas não escrever.
O mais que conseguia era garatujar o nome quando tinha de assinar qualquer papel oficial, por exemplo, na época das eleições, mas, como tais acontecimentos ocorriam muito esporadicamente, já quase se tinha esquecido.
Lia lentamente, juntando as sílabas, murmurando-as a meia voz como se as saboreasse, e, quando tinha a palavra inteira dominada, repetia-a de uma só vez. Depois fazia o mesmo com a frase completa, e dessa maneira se apropriava dos sentimentos e ideias plasmados nas páginas.
Quando havia uma passagem que lhe agradava especialmente, repetia-a muitas vezes, todas as que achasse necessárias para descobrir como a linguagem humana também podia ser bela.
Lia com o auxílio de uma lupa, o segundo dos seus pertences mais queridos. O primeiro era a dentadura postiça.
Vivia numa choça feita de canas de uns dez metros quadrados dentro dos quais arrumava o seu escasso mobiliário: a rede de dormir de juta, o caixote de cerveja com o fogão a querosene em cima, e uma mesa alta, muito alta, porque, quando sentiu pela primeira vez dores nas costas, percebeu que os anos lhe estavam a carregar e decidiu sentar-se o menos possível.
Construiu então a mesa de pernas compridas, que lhe servia para comer de pé e para ler os seus romances de amor.»

Luis Sepúlveda em O Velho que Lia Romances de Amor (Porto Editora, tradução de Pedro Tamen)

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