sábado, 2 de novembro de 2013

As fotografias roubam a alma

«As fotografias, é evidente, roubam a alma. Impedem que as memórias se modifiquem, circulem, pois quando as olhamos, vemos as coisas muito parecidas com aquilo que de facto aconteceu. A memória, pelo contrário, é uma construção, evolui, ganha novos contornos, novas interpretações. Todos nós temos capacidade de decorar alguns números, mas essa é a única coisa que poderemos reter com alguma exactidão. Tudo o resto que chamamos memórias dos factos não passa de fantasias em menor ou maior grau. E à medida que alicerçamos o futuro, vamos modificando o passado, esquecemos umas coisas, enriquecemos outras. A alma que se torna mais esclarecida, capaz de ver outras camadas, outras fatias da realidade, reinterpreta o passado de modo mais claro, mais iluminado. As fotografias, ao contrário da nossa memória, estão congeladas, incapazes de evoluir, paradas como pedras.»

Afonso Cruz em Enciclopédia da Estória Universal (Quetzal)

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