«- Compreendo-te - disse ele tristemente. - O pior desta situação é obrigar uma pessoa a dizer mentiras.
Ela exalou um longo suspiro.
- Estive com o padre Ángel - murmurou. - Fui pedir-lhe um empréstimo sobre as alianças.
- E o que te disse ele?
- Que é pecado negociar com coisas sagradas.
Continuou a falar de dentro do mosquiteiro.
- Há dois dias tentei vender o relógio - disse. - Não interessa a ninguém porque estão a vender a prestações uns relógios modernos com números luminosos. Pode-se ver as horas mesmo às escuras. - O coronel verificou que quarenta anos de vida em comum, de fome em comum, de sofrimentos em comum, não lhe haviam chegado para conhecer a sua mulher. Sentiu que qualquer coisa tinha também envelhecido no amor.
- Também não querem o quadro - prosseguiu ela. - Quase toda a gente tem o mesmo. Estive ontem nos turcos.
O coronel ficou amargurado.
- De maneira que agora toda a gente sabe que estamos a morrer de fome.
- Estou farta - respondeu a mulher. - Os homens não se apercebem dos problemas da casa. Já várias vezes pus pedras a ferver para que os vizinhos não saibam que passamos muitos dias sem fazer comida.»
Gabriel García Márquez em Ninguém Escreve ao Coronel (Biblioteca Visão)
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