«As pegadas não são as marcas dos nossos pés, são as marcas das nossas paixões, das nossas obrigações, dos nossos castigos, dos nossos prazeres. São o lugar por onde andamos, e isso revela muita coisa, mais do que impressões digitais e biografias oficiais. As pegadas, por vezes, deixam pássaros atrás delas, outras mostram quem pisamos, evidenciam quem seguimos. As pegadas de Isa eram, sobretudo, os seus pés atrás de Aminah, revelando a sua enorme devoção. As de Aminah eram, sobretudo, os seus pés a afastarem-se de Isa, revelando a sua enorme vergonha.
(...) Por vezes, quando Aminah estava a cozinhar, Isa surgia ao seu lado, ao ponto de Aminah se assustar. Por vezes, quando acordava, Aminah via a cara de Isa colada à sua, como um espelho viciado. Gritava com ele de todas as vezes que isso acontecia, e ele baixava a cabeça, apertava a sua Bíblia debaixo do braço e saía. A sua vida era sair da vida dos outros.
Quando Aminah lhe batia, Isa permanecia conciso, imperturbável. A cara virava de um lado para o outro com a força das bofetadas, mas Aminah não lhe acertava nas convicções. Os seus tabefes não seriam suficientes para dobrar uma alma.»
Afonso Cruz em Para onde vão os guarda-chuvas (Alfaguara)
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