terça-feira, 17 de junho de 2014

O Homem Plano

«Ainda assim, escutei atentamente e percebi que o corpo espacial estava morto.

Vesalius, o médico que dissecava o meu corpo, explicava, detalhadamente, por que é que nada funcionava e o modo como costumava funcionar anteriormente.

Comecei a chorar. Apercebi-me que poderia estar morto.

As pessoas reais que eu leio nos livros, quando não têm corpo, estão mortas.

Se calhar os Homens Planos são simples Homens Espaciais em ponto morto.

Isso explicaria muita coisa, mas era um atalho que eu não tinha desejado encontrar quando iniciei esta jornada.

Pela primeira vez era eu que me queria ir embora, deixar aquele anfiteatro, mas bastava um olhar que fosse, numa sala inteira, fixado em mim, e tinha de ficar. Lágrimas planas deslizavam pela minha cara linear, e por breves momentos não consegui reagir.

Mas recompus-me.

A vida é curta de mais para queixumes mesmo quando já se está morto. Memorizei todas as etapas que Vesalius apresentava na sua lição anatómica.


Assim que a aula terminou, as luzes apagaram-se.»

Patrícia Portela em Para Cima e Não Para Norte (Editora Caminho)

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