segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Respirou, espirrou e gritou

«Embora me sinta pouco disposto a sustentar que seja para um homem um favor extraordinário da fortuna nascer num asilo de mendicidade, devo todavia dizer que, neste caso particular, era o que de melhor poderia ter sucedido a Oliver Twist. O facto é que só com grande trabalho se conseguiu decidir Oliver a desempenhar as suas funções respiratórias, exercício fatigante, mas que o hábito tornou necessário ao bem-estar da nossa existência: durante algum tempo conservou-se estendido sobre um pequeno colchão de lã ordinária, fazendo esforços para respirar, hesitando, por assim dizer, entre a vida e a morte, mas inclinando-se muito mais para esta. Se, durante esse pequeno espaço de tempo, Oliver estivesse rodeados de avós solícitas, de tias inquietas, de amas experientes e de médicos de muito saber, teria infalivelmente perecido; mas como não havia ali ninguém, salvo uma pobre velha, que pouco via em consequência duma ração de cerveja fora do vulgar, e um cirurgião municipal pago ao ano para fazer este serviço, Oliver e a Natureza lutaram frente a frente. O resultado foi que, após alguns esforços, Oliver respirou, espirrou, e avisou os habitantes do asilo do novo encargo que ia pesar sobre a paróquia, soltando um grito tão forte quanto razoavelmente se poderia esperar duma criança do sexo masculino que só havia três minutos e um quarto se achava de posse desse tão útil dom que se chama a voz.»
 
Charles Dickens em Oliver Twist (tradução da Livraria Lello & Irmão, RBA Editores)

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