terça-feira, 9 de abril de 2013

A Omnipotente Avenida Névski

«Não existe cadastro de moradas ou gabinete de informações que forneçam esclarecimentos mais correctos do que a Avenida Névski. Oh, nossa omnipotente Avenida Névski! Única distracção da nossa capital, tão pobre em divertimentos! E que bem varridos os seus passeios, e quantos pés, meu Deus, deixaram nela as suas marcas! A bota suja e disforme do soldado desmobilizado, sob o peso da qual parece que o próprio granito se racha, e o minúsculo sapatinho, leve como o fumo, da senhora jovenzinha que vira a cabecita para as montras reluzentes das lojas, qual girassol para o sol, e o sabre tilintante do alferes cheio de esperanças, que risca no passeio um brusco arranhão - tudo marca na avenida a potência da força ou a potência da fraqueza. Ao longo de um único dia, quanta veloz fantasmagoria se desenrola aqui! Quantas mudanças acontecem em vinte e quatro horas! Comecemos pelo amanhecer, quando toda a Petersburgo cheira a pão quente acabado de cozer, quando se enche de velhas com os seus vestidos e capas esfarrapadas, em incursões pelas igrejas e contra o transeunte compassivo. A esta hora, a Avenida Névski está vazia: os corpulentos proprietários das lojas e seus caixeiros ainda dormem metidos nas suas camisas de noite holandesas ou ensaboam a bochecha nobre e tomam café; os pedintes são aos bandos às portas das pastelarias, onde o Ganimedes sonolento, que ainda ontem voava como uma mosca servindo o chocolate, sai à rua com a vassoura na mão e sem gravata e lhes atira bolos secos e restos de petiscos. Arrasta-se pelas ruas a gente necessitada, ás vezes atravessam a avenida mujiques russos que se apressam para o trabalho, com as botas tão sujas de cal que nem o Canal da Catarina, famoso pela pureza das suas águas, seria capaz de as deixar limpas. A esta hora é inconveniente que se passeiem por aqui as senhoras, porque o povo russo gosta de utilizar umas expressões tão ríspidas que é pouco provável as senhoras terem-nas alguma vez ouvido, mesmo no teatro. Às vezes arrasta por aqui os pés um funcionário sonolento com uma pasta debaixo do braço, caso o seu caminho rumo ao departamento passe pela Avenida Névski. Pode dizer-se definitivamente que a esta hora, ou seja, até ao meio-dia, a Avenida Névski não é objectivo de ninguém, apenas meio: enche-se a pouco e pouco de indivíduos que têm aqui as suas ocupações, as suas preocupações e os seus desgostos, mas não pensam minimamente nela.»

Nikolai Gógol em Avenida Névski (tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra, Assírio & Alvim)

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