sexta-feira, 18 de outubro de 2013

por que tem de ser assim?

«O Einar encostou-se à parede ao meu lado direito. Trouxera o espelho sem que eu o percebesse. Pôs-se diante dele, multiplicado. O Einar e o Einar, dois rapazes bem comportados e apaixonados e chorando. Ofendidos e confusos, pensei. Chorava quase descontrolado, pensavam as nossas pessoas que por amor ao noivo. Tanto quanto me arrependia de estar a crescer, arrependia-me de o passar adiante na percepção da vida. Porque o Einar se mudava para meu pequenino e eu era também pequenina e estava demasiado magoada com o mundo e o amor não podia ser um embuste que nos retirasse a grandeza dos sonhos, inclusive dos mais fáceis. Não que eu esperasse ainda um herói, isso era da Sigridur, eu julgava apenas que ser mulher não me traria tantas dúvidas e tanto medo. E ele, duplicado ao espelho, sofria por mim e fazia por mim o que eu, atabalhoadamente, o obrigada a fazer. O Einar aceitava ter um lado de lá da morte. Aceitava pensar que metade de si morrera. Era eu a culpada daquela particular tristeza. Mas não teria responsabilidades perante a sua profunda revolta.»

Valter Hugo Mãe em A Desumanização (Porto Editora)

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