domingo, 1 de dezembro de 2013

Apenas se animava com a chegada da noite

«Os sonhos acabaram por se tornar a vida dele e, desde então, a sua existência tomou um rumo estranho; pode dizer-se que dormia acordado e estava de vigília no sono. Se alguém o visse sentado em silêncio diante da mesa vazia, ou a andar pela rua, decerto o tomaria por um sonâmbulo, ou por um indivíduo destruído pelas bebidas fortes; o seu olhar estava privado de sentido, a sua distracção natural ampliou-se e, autoritariamente, expulsava da cara todos os sentimentos e movimentos. Apenas se animava com a chegada da noite.
Este estado desconcertou-lhe as forças e, para ele, a tortura mais terrível era que o sono começava definitivamente a abandoná-lo. Para salvar esta sua única riqueza, recorria a todos os métodos. Ouviu falar de meios que restabelecem o sono - bastava tomar ópio. Mas onde podia arranjá-lo? (...) 
Era melhor que não existisses nunca, que não vivesses neste mundo, que fosses apenas uma criação de artista inspirado! Eu não me afastaria da tela, olharia eternamente para ti (...) Viveria e respirar-te-ia como um sonho maravilhoso, e então seria feliz.»

Nikolai Gógol em Avenida Névski (tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra, Assírio & Alvim)

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