sábado, 8 de fevereiro de 2014

comunidade, identidade, estabilidade

«Uma vez chegados e confortavelmente instalados nos divãs pneumáticos do quarto de Bernard, Helmholtz voltou à carga.
Falando muito lentamente:
- Já sentiu alguma vez - perguntou - a sensação de ter em si qualquer coisa que, para sair, só espera que lhe seja dada uma oportunidade? Um qualquer excesso de força para o qual não tenha emprego, sabe como é, algo como o excedente de água que se precipita em cataratas em vez de passar pelas turbinas?
Dirigiu a Bernard Max um olhar interrogativo:
- Quer você dizer, todas as emoções que se poderia experimentar se as coisas fossem outras? 
Helmholtz negou com a cabeça.
- Não é bem isso. Penso numa sensação estranha que algumas vezes sinto, a sensação de ter alguma coisa de importante a dizer e o poder de a exprimir, mas sem saber o quê e sem poder fazer uso desse poder. Se houvesse alguma outra maneira de escrever... Ou outros assuntos a tratar... - Calou-se; em seguida: - Sabe, sou bastante hábil na invenção de frases... de palavras de natureza tal que o fazem subitamente sobressaltar, compreende?, como se se tivesse sentado num alfinete, de tal maneira parecem novas e emocionantes, ainda que se refiram a uma coisa hipnopédicamente evidente. Mas isso não me parece suficiente. Não chega que as frases sejam boas; o que se faz com elas também deve ser bom.»

Aldous Huxley em Admirável Mundo Novo (tradução de Mário-Henrique Leiria, Editora Antígona)

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